A ponta do <em>iceberg</em>

André Levy
No passado sábado, 25 de Outubro, mais uma vez dezenas de milhares de norte-americanos marcharam pelas ruas da capital para protestarem contra a política imperial do presidente George W. Bush. Mas o número de manifestantes presentes em Washington DC representam apenas uma pequena fracção do descontentamento com a ocupação do Iraque e com uma presidência que mente e manipula factos para atingir os seus fins políticos.
Até à data, quase dois mil soldados norte-americanos foram feridos no Iraque, e cerca de 340 foram mortos, a maioria já depois da aterragem do presidente em vestimenta de combate completa no USS Abraham Lincoln, anunciando o fim da guerra no Iraque. Embora a administração repetidamente declare como grande obra o derrube de Saddam Hussein, faz todos os esforços para criar uma imagem de uma ocupação bem planeada e sucedida1.
A verdade é que mesmo o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, segundo um seu memorando passado à imprensa2, revela algum pessimismo sobre a eficácia no combate ao terrorismo e prevê um longo e duro processo no Iraque e no Afeganistão. E o que é mais preocupante, o memorando levanta mais perguntas do que respostas, reforçando a ideia de que o Pentágono se encontrou como força ocupante do Iraque mas sem um plano para lidar com as múltiplas complexidades logísticas e políticas com que se confronta agora.
Em vez dos agradecimentos calorosos previstos ingenuamente pela administração, e fomentados pelo lacaio Ahmed Chalabi, ex-líder do Congresso Nacional Iraquiano, as tropas «aliadas» encontram crescente ressentimento e resistência. Segundo o britânico Instituto Internacional Para Estudos Estratégicos, no seu relatório «O Balanço Militar», a guerra no Iraque aumentou as fileiras da Al’ Qaeda e galvanizou os grupos radicais islamicos3.
Acresce que os EUA sentiram rapidamente as consequências de uma invasão contra a vontade da comunidade internacional, quando os custos financeiros da ocupação começaram exceder as suas projecções públicas e as expectativas do público norte-americano. Ao orçamento já volumoso do Pentágono, a administração veio pedir adicionalmente 87 mil milhões de dólares. Eis um número que anda na boca de toda a gente, uma vez que o país passa por um período económico doméstico de recessão.

Bush não é imbatível

O índice de desemprego atinge a média nacional de 6.1 por cento, representando 9 milhões de desempregados. Durante a presidência de W. Bush, mais de 3.2 milhões de postos de emprego no sector privado foram eliminados e, pela primeira vez desde a presidência de Eisenhower, a taxa de emprego mensal é negativa. O governo ameaça modificar as compensações por horas extraordinárias. Um número recorde de pessoas não possui seguro médico. O desinvestimento do governo federal na Segurança Social e outras formas de apoio forçou, durante a era Clinton, os estados a assumirem crescentes responsabilidades económicas por estes sectores. Confrontados agora com déficites fiscais tremendos, como o que motivou em parte as eleições para governador na Califórnia, estados por todo o país reduzem o investimento nas suas infra-estruturas, aumentam as propinas nas universidades estaduais, etc.
E estamos praticamente a um ano das eleições presidências. Bush já não parece tão imbatível como no período dourado após o 11 de Setembro. Mas tão pouco sobressaiu ainda um candidato democrata que seja capaz de capitalizar o descontentamento com Bush. O desafio é político mas também financeiro. Howard Dean, o ex-governador de Vermont, tem feito sensação ao angariar fundos de baixa quantia (em média inferior a 100 euros) mas de um número grande de contribuintes, numa campanha centrada em torno da sua oposição à ocupação do Iraque. Mas a máquina de angariação de fundos da campanha de releição do Bush é polida e bem oleada. O Partido Republicano acumula já mais do dobro do Partido Democrata em contribuições.
Bush recebe regularmente contribuições de 2000 dólares, o máximo permitido por lei, para a corrida às eleições primárias do partido republicano, para a qual ele não tem rival.
E finalmente uma sugestão para as próximas férias de Verão. Venha visitar Nova Iorque por volta do 29 de Agosto, veja o parque, os museus, e passe perto do Madison Square Garden, onde será o Congresso da República, para gritar em voz alta, «O Mundo diz não a Bush!»
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1 Recorrendo inclusivamente ao envio para a imprensa norte-americana de uma carta idêntica, assinada por diferentes soldados, em alguns casos sem o seu conhecimento. «The Olympian», 11 de Outubro, 2003
2 Veja-se, por exemplo, o «USA Today», 22 de Outubro, 2003
3 http://www.iiss.org
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